quinta-feira, 12 de janeiro de 2012

O Evangelho da segunda chance...

Não existem muitas segundas chances por aí. No mundo atual, impera a necessidade do "hoje" e do "agora" característicos da geração fast-food. As pessoas não tem mais paciência, e a arte de esperar há muito parece ter sido esquecida. 

Quantas vezes passamos por isso? Quando fomos deixados de lado na escolha do time da escola, quando fomos trocados por alguém mais novo, mais forte, mais rápido... ou talvez por motivos que nos são desconhecidos. O fato é que enfrentamos situações assim: toda nossa esperança parece se esvair pelos nosso dedos. Não há luz no fim do túnel e nenhuma opção parece ser viável.

O que fazer? Existe algo em que possamos depositar nosso coração?

Existe a possibilidade de recomeçar?

Dentre tantas preciosidades existentes nas Escrituras, há uma que deve sempre estar diante de nós:

"...eis que faço novas todas as coisas..."  Ap 21.5

Isso não é reconfortante? Saber que nossos fracassos não são o fatais, e que onde há ruínas uma nova vida pode brotar?

Um dos apóstolos de Jesus, Pedro, sabe muito bem o que é ter uma segunda chance. Seu temperamento impetuoso o tornou um dos principais apóstolos, fazendo parte do círculo mais íntimo de Cristo. Momentos antes de Sua prisão, Jesus revela a seus discípulos que eles iriam o abandonar e mais tarde, após a ressurreição, os encontraria. E quem toma a palavra? Pedro, que afirma:

"mesmo que todos te abandonem, eu nunca te deixarei" Mc 14.28

Podemos imaginar Pedro batendo no peito afirmando estas palavras: "Jesus, eu não sei dos outros, mas pode contar comigo! Eu nunca vou te deixar...". 

Fazemos isso, não? Com mais frequencia do que gostaríamos de reconhecer. Julgamos os outros a partir de um ponto de vista (nosso ou externo) e, comparando-nos com os outros, dizemos: "Eu não seria capaz de fazer isso, ou falar aquilo, ou agir assim...sou bom demais, Jesus! Eu tenho a força e a vontade para me manter firme. Nunca vou vacilar...". Afinal de contas, sempre há alguém pior do que nós...

É. Certas coisas preferiríamos nunca ter dito...

Em seguida, com Jesus já preso, encontramos Pedro ao lado de João dentro do pátio da casa de Caifás:

"Mas, quando acenderam um fogo no meio do pátio e se sentaram ao redor dele, Pedro assentou-se com eles" Lc 22.55

Os acontecimentos então se desenrolam de uma forma dramática. Por três vezes as pessoas ali presentes apontam para Pedro, dizendo que ele era um dos discípulos. E em todas elas, Pedro nega a afirmação, chegando mesmo a amaldiçoar-se!

"Pedro começou a amaldiçoar-se e a jurar: Não conheço esse homem de quem falais!" 
Mc 14.71

O golpe final veio quando, após negar ser um dos discípulos pela terceira vez, seus olhos encontram os de Jesus:

"E aconteceu que o Senhor encontrou-se com Pedro e o olhou diretamente nos olhos. Então Pedro se lembrou da palavra que o Senhor lhe havia predito: Antes que o galo cante hoje, tu me negarás três vezes. Então Pedro, retirando-se dali, chorou amargamente" 
Lc 22.61-62

O texto grego aqui usa a expressão pikros (πικρως ) que traz a ideia de uma dor aguda, dura e fatal. O que você sentiria no lugar de Pedro? Talvez você não se veja desta forma, mas quantas vezes fracassamos naquilo que garganteamos como vitória? Como Pedro, batemos no peito de dizemos: "pode deixar comigo. Eu nunca vou fazer isso...ou voltar àquele lugar...ou falhar com você novamente...foi a última vez..."  e os discursos são os mais variados, porém a tônica é a mesma. Somos confrontados com nossas próprias palavras, e a realidade às vezes é dura demais.

Tão dura que nos faz querer voltar atrás...desistir de tudo e aceitar a derrota. É interessante analisar as derrotas que sofremos. Somos derrotados pelo tempo, por pessoas, situações...mas a pior de todas é quando o inimigo somos nós. Aqui a força de muitos desaba, e com Pedro foi assim. 

Lembra-se o que Pedro fazia antes de seguir a Jesus? Ela era pescador...e após todos estes acontecimento, onde o encontramos? Veja:

"Estavam juntos Simão Pedro, Tomé, Natanael, os filhos de Zebedeu ...e Simão Pedro disse-lhes: vou pescar. E eles o encorajaram: nós vamos contigo também, e saíram..." Jo 21.2-3

Pedro volta a pescar! Obviamente não há mal algum nisso, mas é interessante como Pedro age após o fracasso: volta à antiga vida! Tenha em mente que Jesus já havia ressuscitado e aparecido a eles, mas de algum modo, isso parece não motivar a Pedro a perseverar e a pregar a ressurreição do Mestre. Observe como o fracasso tem o poder de, mesmo presenciando um milagre, nos deixar abatidos e derrotados. É impressionante como ficamos insensíveis às Boas Novas quando estamos assim...

Então a intervenção divina acontece...quando algumas das mulheres que haviam se tornado discípulas de Jesus vão ao sepulcro, encontram dois anjos que, proclamando a ressurreição de Jesus, mandam um recado aos discípulos:

"Agora ide, dizei aos discípulos e a Pedro que Ele está seguindo adiante de vós para a Galiléia. Lá vós o vereis, assim como Ele predisse".  Mc 16.7

Viu a ênfase ali? Havia um recado especial a ele, e o milagre estava prestes a acontecer.

Deixe agora que o texto fale por si...acompanhe:

"Jesus disse-lhes, então: Rapazes, tendes alguma coisa para comer? Eles responderam-lhe: Não. Disse-lhes Ele: Lançai a rede para o lado direito do barco e haveis de encontrar. Lançaram-na e, devido à grande quantidade de peixes, já não tinham forças para a arrastar.  Então, o discípulo que Jesus amava disse a Pedro: É o Senhor! Simão Pedro, ao ouvir que era o Senhor, apertou a capa, porque estava sem mais roupa, e lançou-se à água.  Os outros discípulos vieram no barco, puxando a rede com os peixes; com efeito, não estavam longe da terra, mas apenas a uns noventa metros.  Ao saltarem para terra, viram umas brasas preparadas com peixe em cima e pão". Jo 21.5-9

Impressionante! Os mesmos elementos encontrados na ocasião da negação de Pedro: uma fogueira, uma roda de pessoas...e Jesus! Agora Ele estava ali...e o final do diálogo com Pedro é segue-me (v.19).

Uma segunda chance.

Não é todo dia que você ganha uma segunda chance, e Pedro sabia disso. Quando soube que era Jesus, mergulhou nas águas frias do Tiberíades e não apenas nadou até a praia, mas entregou-se de tal maneira que marchou valentemente até Roma, pregando o Evangelho e morrendo crucificado de cabeça para baixo, pois não se achava digno de morrer como o Mestre.

Uma segunda chance.

Não é todo dia que você encontra alguém que lhe dê uma segunda chance. Muito menos alguém que faça isso todos os dias...

...mas em Cristo encontramos ambas as pessoas!

Solus Christus, 

Daniel

quinta-feira, 5 de janeiro de 2012

O desafio de Abrão


E começamos 2012...

Nos corações e mentes existem os mais diversos sentimentos. Existem os animados e esperançosos por um ano melhor; há os indiferentes, para os quais só mudou mesmo a contagem do calendário e os desanimados, cuja descrença os acompanhou depois do feriado. 

Pensando nisso, este primeiro texto de 2012 trata de algo bem comum e aos mesmo tempo "ignorado" pela grande maioria. Coloquei ignorado entre parênteses de propósito, pois o sentido aqui é de que sabemos do que se trata, mas o ignoramos mesmo assim. E o prejuízo é só nosso...então, vamos ao assunto! O texto a seguir é bem conhecido para muitos e, por isso, alguns detalhes podem passar despercebidos...vejamos:

"Então disse o Senhor a Abrão: Saia da tua terra, do meio da casa de teu pai, e vá para a terra que eu lhe mostrarei" Gn 12.1

É o famoso texto da chamada de Abrão, conhecido como o pai da fé. Dentre tantos motivos, gostaria de destacar um em especial, algo que antes não havia notado e que corrobora sua grande fé no Todo-Poderoso.

Antes disso, peço que leia com atenção o versículo acima. Agora, mais uma vez. Notou algo "estranho" ali? Algo diferente? Notou o contraste de informações? Se ainda não, raciocine comigo...

Ruínas de Delfos
O ser humano é curioso por natureza. Desde sua queda, o futuro certo que havia junto ao Pai foi lhe tirado, restando apenas a certeza da morte e do retorno ao pó. Assim, já há muito tempo o homem tenta, de algum modo, "prever" o seu futuro. Encontramos nas diversas civilizações do passado menções a profetas e oráculos, como o de Delfos na Grécia antiga. A pergunta ancestral sempre rondou nas mentes e corações humanos: O que me reserva o amanhã? 

Mesmo no meio cristão, os "profetas" parecem gozar de certa popularidade, e quem não fica ansioso quando Deus realmente se manisfesta no meio de Seu povo (ainda que não somente por profetas)? Quem não gosta de ouvir uma palavrinha do Pai sobre seu futuro que atire a primeira pedra...

Enfim: o ponto em questão é que todos, em maior ou menor grau, pensam sobre o amanhã. Claro, existe o planejamento (orçamentário, acadêmico, profissional, familiar) sadio, onde mensuramos os alvos e os passos que daremos para chegar lá, e também sonhamos sim com o amanhã. E porque não? Isso é saúde para nossas almas! É ótimo sonhar, planejar, mas...

(esse mas sempre nos incomoda)

O fato é que não temos controle nenhum sobre o amanhã. Nenhum. Planejamos, agimos, guardamos, gastamos, investimos...e nada disso pode sequer garantir que estejamos vivos amanhã. Aliás, existem diversos textos bíblicos que tratam do assunto:

"Portanto, não vos preocupeis com o dia de amanhã, pois o amanhã trará suas próprias preocupações. É suficiente o mal que cada dia traz em si mesmo" Mt 6.34

"Agora, prestai atenção, vós que aclamais: "hoje ou amanhã iremos a tal cidade, lá nos estabeleceremos por um ano, negociaremos e obteremos grande lucro".Contudo, vós não tendes o poder de saber o que acontecerá no dia de amanhã. Que é a vossa vida? Sois, simplesmente, como a neblina que aparece por algum tempo e logo se dissipa" Tg 4.13-14

Interessante... mais ainda quando seguimos o texto e encontramos isso:

"Em vez disso, devíeis afirmar: se o Senhor quiser, viveremos e faremos isto ou aquilo.  Entretanto, estais agora vos orgulhando de vossas capacidades. E toda vanglória como essa é maligna"  Tg 4.15-16

Impressionante! Tiago aqui diz que não devemos planejar? Não! Mas é maligno confiarmos nosso futuro apenas em nossa capacidade e nossos talentos. Capacidade aqui, no grego, é (αλαζονειας - alazoneia), com o sentido de "alguém que confia em seu próprio poder e recursos; arrogância; confiança na estabilidade das coisas terrestres", segundo Strong's. O quadro é claro: existe uma tensão entre a "pretensa" autonomia humana caída e a soberania de Deus. E sabemos muito bem que dá a última palavra... Portanto, qual a cura para esta vanglória maligna? Reconhecer a soberania de Deus, conhecê-lo e, pela fé, confiar nEle. E isso, claro, não é assim tão fácil como parece.

Tenha em mente a natureza depravada do homem e sua luta de independência em relação à Deus. Lutamos inconscientemente contra a dependência. Queremos sempre as coisas do nosso jeito, mesmo cantando músicas que falem o contrário. Por isso, somos tão dependentes da graça de Deus que nos transforma e muda nosso coração de pedra em carne (Ez 11.19). Se fôssemos depender apenas de nossa vontade, estaríamos perdidos!

Então, qual o desafio neste ano que inicia? Aceitar o desafio de Deus a Abrão - leia novamente o texto:

"Então disse o Senhor a Abrão: Saia da tua terra, do meio da casa de teu pai, e vá para a terra que eu lhe mostrarei" Gn 12.1

Atente às duas informações contida aqui: 


1) a especificidade naquilo que Abrão deveria deixar para trás: sua terra, sua família e a casa de seu pai.

2) a generalidade para onde Abrão haveria de ir: para uma terra que te mostrarei.

Isso não nos deixa nada confortáveis, não é? Preferiríamos o contrário, tipo: "Abrão, sai do lugar onde estás e vá para Canaã, na região norte, na cidade tal, bairro tal, e procure a casa na rua Jó e vá até a casa amarela da esquina". 

Ficamos nervosos, desatentos... perdemos a fome e corremos para todos os lados. Mas isso de nada adianta. Quanto antes aceitarmos o fato de que escutamos o que precisamos, e não o que queremos mais fácil será a jornada. O ponto é a especificidade de Deus naquilo que devemos abandonar. Sejam vícios, estruturas de pensamento, hábitos, lugares, pessoas...o fato de sermos filhos de Deus, pela fé em Cristo, nos habilita em sermos agregados à família de Deus e sermos transformados à imagem do Filho(Rm 8.29). Então, meu irmão, não adianta tapar os ouvidos: todos nós ouviremos de Deus o que precisa ser deixado para trás.

Aqui entendo o título de  pai da fé dado à Abrão. Ele foi o primeiro a encarar o desafio e aceitá-lo. Ainda que tenha levado Ló (quando deveria ter partido sem familiares), ele confiou que Deus era poderoso o suficiente para cumprir Sua Palavra. Deixou aquilo que lhe trazia segurança e partiu, tendo somente a garantia de que Deus estaria com ele. O resultado nós sabemos...Deus o prosperou em todas as áreas, e de sua semente veio o Messias.

E quanto a nós? Algumas lições parecem claras:

1) Planejar é sadio e correto - confiar em nossa capacidade não: é interessante isso, mas tudo que fazemos deve ser acompanhado de "se for da vontade de Deus". Isso nos faz lembrar quem somos e quem Deus é - acabando com todo orgulho que, no fim das contas, nos abate. Lembre-se que Deus resiste aos orgulhosos...

2) A ordem é clara quanto ao que deve ser deixado para trás: eu e você sabemos muito bem o que deve ser abandonado. Sejam hábitos, vícios, lugares, pessoas...e não adianta nos enganarmos a respeito disso. O prejuízo de ignorar isso é só nosso.

3) Há um chamado de caminhar com Deus, pela fé: Deus não nos mostrará o futuro. Não adianta correr atrás de profetadas  e coisas afins. Pode ser que eventualmente recebamos algum vislumbre, mas os detalhes são somente dEle. Isso é de propósito, pois saber o que irá acontecer no futuro não é viver pela fé/fidelidade. E a única estrada trilhada pelo cristão chama-se . Não há atalhos nem desvios. Aceitar essa realidade só nos ajudará no processo...

Bem...o fato é que nossos planos e sonhos podem se concretizar. Ou não. Tudo depende da vontade soberana de Deus - afinal de contas, em nós está Seu querer e realizar (Fp 2.13) e nenhum de Seus planos podem ser frustrados (Jó 42.2).Isso não quer dizer, claro,  que todos os nossos planos vem de Deus...isso só em oração podemos discernir. Portanto, que possamos viver menos ansiosos este 2012, crendo nos planos eternos do Pai (que certamente se cumprirão), e assumindo nossa responsabilidade de obedecer à voz do Espírito e abandonar tudo aquilo que foi ordenado por Ele.

E aproveite a viagem! Contemple a vista! 

Todo o trabalho é dEle!

Solideogloria

Daniel

(ouça este clássico)