sábado, 4 de agosto de 2012

De Camões à Laodicéia...

O que faz com que uma paixão termine?

Biblicamente falando, a paixão possui uma conotação negativa, relacionada à carne e sua inclinação ao pecado. Porém, vamos nos valer deste termo e sua menção àquele sentimento de euforia, quando tudo se torna pequeno diante do alvo de nosso amor.

Lembra-se dos primeiros dias quando conheceu o seu cônjuge? Quando o olhar, o pulsar do coração batiam no compasso dos pensamentos relacionados à pessoa? Não havia dias frios, o calor do sol ou qualquer intempérie que fosse obstáculo para o momento mágico do encontro dos olhares, do toque nas mãos...como já se constatou por aí, quando estamos apaixonados tudo o mais perde valor e importância. Dormir tarde, acordar cedo e outras atividades do cotidiano ficam pequenas frente à avalanche de emoções que inundam o coração e o íntimo do ser.


Como diria Luis de Camões, amor é fogo que arde sem se ver...

Entretanto, é fato certo que este sentimento apaixonado vai aos poucos se esvaindo... a emoção do reencontro se perde à medida que os dias vão passando...e a realidade torna-se mais evidente do que a ilusão que a paixão proporciona.

Bom...até aqui falamos basicamente do relacionamento entre um homem e uma mulher. Porém, em nossa vida espiritual, pode-se experimentar o mesmo sentimento? Podemos estar apaixonados por Deus e depois deixar de apaixonar?

Vejamos então os que nos diz as Escrituras - acompanhe:
“Ao anjo em Laodiceia escreve: ‘Assim declara o Amém, a testemunha fiel e verdadeira, o Soberano da criação de Deus. Conheço as tuas obras, sei que não és frio nem quente. Antes fosses frio ou quente! E, por este motivo, porque és morto, não és frio nem quente, estou a ponto de vomitar-te da minha boca. E ainda dizes: ‘Estou rico, conquistei muitas riquezas e não preciso de mais nada’. Contudo, não reconheces que és miserável, digno de compaixão, pobre, cego e que está nu! Portanto, ofereço-te este conselho: Adquire de mim ouro refinado no fogo, a fim de que te enriqueças; roupas brancas, para que possas cobrir tua vergonhosa nudez; e compra o melhor colírio para que, ao ungir os teus olhos, possas enxergar claramente. Eu repreendo e corrijo a todos quantos amo: sê pois diligente e arrepende-te. Eis que estou à porta e bato: se alguém ouvir a minha voz e abrir a porta, entrarei em sua casa e cearei com ele, e ele comigo." Ap 3.14-20
A igreja de Laodicéia recebeu este nome em homenagem a Laódice, esposa de Antíoco II, que reconstruiu a cidade. Ela estava dentre as mais importantes cidades da Ásia Menor, tornando-se uma das primeiras sedes do cristianismo. Laodicéia era uma cidade rica por seu comércio e por suas atividades bancárias e famosa por sua florescente escola médica. Devido a sua privilegiada posição social e poder aquisitivo, os habitantes da cidade se achavam autossuficientes e isso, de algum modo, acabou influenciando a igreja. Esta, então, parecia ser tomada pelo mesmo sentimento de independência. O estado espiritual foi descrito então por Jesus como "morno". Qual a profundidade ou extensão desta descrição? 

Vamos ver isso num segundo momento; antes, é importante analisar os motivos que trouxeram esta mornidão à Igreja - em outras palavras, qual o "estopim" inicial da perda da paixão daquela comunidade ?

" Conheço as tuas obras..." (v.15) - este é o ponto de partida usado por Jesus para se dirigir aos membros da Igreja. Independentemente de quais discursos eram ou não propagados e aceitos aos olhos de todos, o Senhor olhava para as atitudes daquele povo. Antes, Tiago já alertara através de sua carta que a "fé sem obras é morta" (Tg 2.17). Em outras palavras, nossas atitudes frente à revelação bíblica, com consequente mudança de vida fala mais alto do que a nossa retórica. Pode-se fazer aqui uma menção ao conceito hebraico de caminho (דרך dérech), profundamente relacionado ao comportamento (cf Sl 1), que é diferente ao pensamento grego que valoriza o discurso em detrimento das ações (vide os sofistas). Portanto, este conceito hebraico é o ponto de partida - algo familiar aos leitores judeus da carta e, por que não dizer, dos próprios cristãos da época. 

No versículo seguinte encontramos o motivo da apatia espiritual - acompanhe:

"...E ainda dizes: ‘Estou rico, conquistei muitas riquezas e não preciso de mais nada". (v.17)
Em primeiro lugar, observe onde está o foco: neles! A seus olhos, o motivo das riquezas não era a graça de Deus, mas seu próprio esforço em adquirir, de acordo com a cultura local, riquezas. Trata-se realmente de poder aquisitivo aqui, de bens materiais. Nada diferente da cultura hedonista em que vivemos, onde o valor do indivíduo e sua posição social está profundamente arraigado ao que ela tem, e não ao que é. Basta uma passada rápida nos programas de TV populares e lá encontramos "celebridades" que não são referência de nada opinando sobre todo e qualquer assunto. Qual o subsídio de vida, ou mesmo profissional elas possuem? Na grande maioria, basta apenas aparecer da telinha e já se pode sair por aí opinando sobre tudo... De qualquer modo, a Igreja de Laodicéia se achava mais do que suficiente, a ponto de não olhar mais para Deus e dEle esperar qualquer coisa...sutil, não? Aliás, desde que o diabo ofereceu a prosperidade a Jesus em troca de adoração, esta deixou de ser um sinal de aprovação divina...

A apatia originou-se de uma falsa fartura, que criou um sentimento do tipo "não preciso mais de Deus". Perigoso, não? Este é um processo que inicia com um pequeno desvio de foco: o Senhor deixa de ser o centro para dar lugar ao ventre humano.

Isso acabou por trazer uma mudança de valores. Eles se achavam ricos, mas diante do Senhor eram pobres e miseráveis. Na realidade, este é o fruto do processo natural quando trocamos as riquezas celestiais pelas terrenas (ainda que ambas não sejam incompatíveis). Além disso, a apatia trouxe consigo a esterilidade. Eles pararam de dar frutos...

"...E, por este motivo, porque és morto, não és frio nem quente, estou a ponto de vomitar-te da minha boca..." Ap 3.16
Tanto a água gelada quanto a quente possuem suas finalidades (refrescantes, terapêuticas, etc.), porém a água morna para nada serve...o sentido aqui é de ser uma vida útil para o Reino. A a apatia gerara a falta de frutos, e a falta de frutos os faria serem vomitados por Deus. Uma ação divina resultante do julgamento da esterilidade.

Qual seria, portanto, o ponto de virada? O próprio Jesus aponta no versículo 18:

Portanto, ofereço-te este conselho: Adquire de mim ouro refinado no fogo, a fim de que te enriqueças; roupas brancas, para que possas cobrir tua vergonhosa nudez; e compra o melhor colírio para que, ao ungir os teus olhos, possas enxergar claramente.
Jesus! Ele é a fonte das riquezas do Reino, de uma vida santa e justificada. A Igreja é convidada a voltar-se à Cristo, voltando a ajustar sua leitura acerca da realidade. Em Jesus temos uma vida com cada coisa em seu devido lugar, inclusive a nós mesmos. É o velho pecado do orgulho. O motivo de toda a correção é o fato de termos sido adotados (Rm 8.23) e nosso Pai certamente usará quaisquer meios que julgar necessários para nos "colocar nos trilhos". Isso é doloroso? Sim, na maioria das vezes. Ninguém gosta de ser confrontado, corrigido...porém, perceba uma nuance desta verdade: a certeza de um amor que não nos abandonará, e que sempre agirá ativamente a fim de nos aperfeiçoar como filhos de Deus, nos conduzindo no processo de santificação e glorificação. Isso não depende de nós, em última instância, mas da graça de Deus que nos dá a certeza da salvação! Que verdade maravilhosa! (Rm 8.28-30; Ap 3.19; Jo 10.27-29)

Qual o resultado da ação deste "amor que corrige"? O mesmo quadro que vemos na ocasião da ceia com os discípulos, da refeição na praia com o desconfiado Pedro, ou ainda do peregrino Abraão ao receber em sua tenda o Senhor - íntima comunhão.

Desfrute disso! Seu amor nunca falha... ouça Seu chamado e sente-se à mesa do Senhor...

NAquele que nos conhece pelo nome,

Daniel