quarta-feira, 18 de agosto de 2010

O caminho do samaritano




"Jesus, prosseguindo, disse: Um homem descia de Jerusalém a Jericó, e caiu nas mãos de salteadores, os quais o despojaram e espancando-o, se retiraram, deixando-o meio morto. Casualmente, descia pelo mesmo caminho certo sacerdote; e vendo-o, passou de largo. De igual modo também um levita chegou àquele lugar, viu-o, e passou de largo. Mas um samaritano, que ia de viagem, chegou perto dele e, vendo-o, encheu-se de compaixão; e aproximando-se, atou-lhe as feridas, deitando nelas azeite e vinho; e pondo-o sobre a sua cavalgadura, levou-o para uma estalagem e cuidou dele. No dia seguinte tirou dois denários, deu-os ao hospedeiro e disse-lhe: Cuida dele; e tudo o que gastares a mais, eu to pagarei quando voltar. Qual, pois, destes três te parece ter sido o próximo daquele que caiu nas mãos dos salteadores? Respondeu o doutor da lei: Aquele que usou de misericórdia para com ele. Disse-lhe, pois, Jesus: Vai, e faze tu o mesmo." Lc 10.30-37

O que pensamos quando lemos esta parábola? Conseguimos discernir os dois caminhos apresentados por Jesus? Ou existe apenas um caminho...? Afinal de contas, que caminho é este?

Bom... vamos por partes. Os elementos da parábola são: o necessitado, o sacerdote, o levita, o samaritano...e os caminhos. Encontramos uma situação grave, com alguém que sofre um assalto no meio de sua jornada e fica à mercê das circunstâncias. Quem poderia, nesta situação, socorrê-lo? Olhando os personagens apresentados, de quem esperaríamos a ajuda?

Bom, aí é onde podemos ter uma surpresa. Encontramos frustração onde esperávamos a certeza, e a ajuda de onde menos esperamos...

Entra em cena o sacerdote. Seu papel na sociedade era de representar os homens diante de Deus e vice-versa. As pessoas tinham que ver em sua vida este reflexo, e ele mesmo deveria ter uma vida ilibada - pois representava nada menos que o Criador. Como sacerdote, certos tipos de postura eram dele exigidas - o que poderia acarretar em viver no "automático" com relação às regras da religião, ou do sistema, como passaremos a chamar. De certa forma, podemos pensar que viver de acordo com as regras já havia se tornado mais importante do que viver a vida real, ordinária.

Ou seja, um suposto representante de Deus, do doador da vida - aquele que deveria representar o amor aos homens, ignora a dificuldade de alguém, preferindo manter sua postura - afinal de contas, como sacerdote, ele deveria se manter "puro" - sem contato com impuros. Na mesma Torá que ordena isso, encontramos também o fato de que existem diferentes níveis de mitzvôt (mandamentos), sendo uns mais importantes que os outros. Tanto que Jesus ensina que entre guardar o shabbat e salvar uma vida, este último se torna mais importante. Mas para aquele sacerdote, seguir as regras do sistema já se tornara mais valioso que representar a Deus. Ele havia se tornado apenas um representante do sistema.

O segundo a passar era um levita. Alguém destacado no serviço do templo, e nos dias de hoje, um termo associado aos músicos da igreja. Teoricamente, era alguém que teria uma intimidade profunda com Deus. Seria o responsável hoje por levar o povo à adoração, trazendo-os para mais perto de Deus. Poderia alguém tão próximo de Deus ignorar a necessidade de outro? Pode, desde que o título já não reflita a sua vida pessoal. E o necessitado continua à beira do caminho...

Bom....e quem passa em seguida?

Um samaritano. Alguém que sofria um profundo desprezo pelos judeus da época, pelo fato de sua assimilação pelos Assírios e rompimento com o sistema do Templo. Eram evitados e considerados como impuros, sendo-lhes impedida a entrada no Templo. Logicamente, o que esperaríamos de alguém tão distante do sistema, tão alienado dele?

Pois é. Somos surpreendidos pela graça. De onde menos esperamos, daquele a quem nem cumprimentamos ou consideramos vem a mão estendida, o olhar de misericórdia, o socorro.

E a conclusão torna-se inevitável. O caminho da graça e o caminho do sistema nem sempre são os mesmos...

Não que eles sejam opostos! Mas quando perdemos a essência, quando os títulos se tornam mais importantes que a vida... quando o aparecer vale mais que o ser...

Quando esquecemos de servir, e esperamos ser servidos...

O sistema faz mais uma vítima, e a vida perece à beira do caminho...

Por onde temos andando?

Daniel Ben Iossef

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